quarta-feira, 4 de março de 2015

Pimenta

Eu já era casada, fazia algum tempo que morava ali com as minhas três filhas pequenas e meu marido um tanto quanto ausente.
Dividia o muro com uma vizinha rabugenta, baixinha, do cabelo longo e preto, esguia, sempre de cara amarrada. Ela tinha uma rivalidade comigo que eu talvez nunca saiba explicar, ou quem sabe eu até consiga imaginar o porquê.

O marido dela era agressivo, pouco sabia sobre ele além dos gritos e barulhos de tapas que atravessavam as paredes e invadiam minha sala. Nunca entendi o motivo daquilo, não que ela fosse uma santa, mas o que de tão errado ela andava fazendo? E talvez tenha sido por isso que ela semeou maldade entre nossos quintais, porque ela era infeliz.

Se empenhava em pegar canecas de prata que tinha em sua casa, luxo que eu não tinha e ela sabia bem, e esfregava até brilhar. Gritava do outro lado do muro até eu sair pela porta e aparecer no meu quintal e então ela pedia solene um pouco d'água, como se ela não tivesse a mesma que a minha em sua torneira. Eu pegava a caneca, a enchia e devolvia, até sorria tentando parecer simpática... Ela me olhava e jogava toda a água no chão, virava as costas e entrava.

Seu José era o proprietário da casa em que eu morava, da casa do lado também. Ele havia combinado com o marido dela que poderiam fazer uma manilha que passasse do quintal deles e atravessasse o meu devido a chuva não ter escoamento para rua. A partir do dia em que ela teve a ideia de jogar todo tipo de lixo por aquele buraco, minha vida calma começou a ter sérias pitadas de ódio.

No meu quintal havia cascas de bananas, laranjas, sacos, papéis e tudo que ela encontrasse e desejasse descartar ou até quem sabe ela nem quisesse realmente se desfazer daquilo, mas o lixo havia acabado e ela não podia desistir da tarefa de me incomodar.

Decidiram fazer uma reforma, um poço e terra no quintal novo. As roupas brancas do varal amanheciam com a mesma terra que havia no chão da casa reformada com canecas de prata e comida pra ser descartada no meu quintal.

A essa altura eu odiara ela como nunca achei ser possível, mas me mantinha calada. Eu sabia que arranjaria problemas com o marido dela e o meu nunca estava disposto a realmente me defender, tinha problemas maiores do que a vizinha mal-humorada. Minhas filhas tinham pouca roupa pra vestir, as que tinham estavam sujas, meu marido não aparecia havia muitos dias, a comida era cada vez mais escassa, eu me sentia sozinha e sobrecarregada.

Tive a ideia em certa noite de comprar uma tigela de barro e encher de farinha, jogar do outro lado e esperar ela achar que eu havia jogado uma macumba horrível nela. Mas não o fiz, afinal, quem disse que eu tinha dinheiro pra gastar com tigela e farinha pra jogar fora?

O tempo fechou anunciando a tempestade, em fevereiro sempre chovia muito. Uma lata guardada, os pingos começaram. Fui até o buraco da manilha e entuchei a lata lá... A chuva ficou intensa, a água começou a subir e eu me desesperei ao perceber que o poço estava sendo invadido pela terra. Eu estava alagando a casa deles e ainda acabando com água. Desisti da vingança, a lata de leite ninho muito bem enfiada ali não saia, a chuva me lavando e eu tentando empurra-la, puxa-la, tira-la de lá a qualquer custo. Sai correndo pela minha casa, toda molhada, atravessei e sai pelo outro portão, do outro lado da rua era a casa da minha mãe.

Apareci toda molhada e chorando "Eu alaguei tudo lá, mãe! Me ajuda.". Depois de muito questionar, levantou e saiu correndo, conseguimos tirar a lata com um faca.
Ela nunca desconfiou que eu destruí a limpeza da água do poço e transformei o quintal dela naquele lamaçal muito pior do que o de costume.

Nem me vingar direito eu consegui.

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